domingo, abril 25, 2004

25 de Abril. Trinta anos depois



Depois da vida, a liberdade é seguramente o bem mais precioso que temos. A observação é uma evidência, mas a sociedade portuguesa tem ainda hoje muitos homens e mulheres que sabem o que foram os anos da ditadura. Falar desses tempos, trinta anos depois de Abril, poderá parecer uma inutilidade tão grande como recordar os tempos da televisão a preto e branco aos que desde que começaram a olhar para ela a viram sempre a cores. E é felizmente uma inutilidade porque, trinta anos depois de muitos avanços e recuos observados, a democracia, com todos os seus vícios e virtudes, está consolidada. O que nunca será inútil recordar são aqueles que naquela manhã de Abril tiveram a coragem de ousar mudar. Porque eles são um exemplo a que poderemos recorrer em tempos de menor esperança, porque a eles devemos uma parte da nossa liberdade. Portugal nunca viveu um tempo tão largo de liberdade. São trinta anos. E trinta anos depois, se muitos desejos não se cumpriram, se muitas utopias estão esquecidas, todos concordaremos que valeu a pena.

O nosso atraso era grande. Mas, hoje, não podemos esquecer-nos das assimetrias regionais que não conseguimos nem disfarçar. Deixamos de ter tantos analfabetos. Mas se nos doía entrar numa repartição e ver alguém confirmar a sua identidade apondo o polegar sujo de tinta de carimbo sobre um papel branco, não nos doerá hoje menos ver como muitos jovens e adultos têm dificuldades de compreensão ou não conseguem expor com clareza uma ideia. A iliteracia é ainda um travão ao nosso desenvolvimento. A modernização não nostrouxe empregos para todos, e muitos concidadãos, mesmo com diplomas universitários e com idades que representam a força da vida, passam agruras im- pensáveis. Poderemos também queixar-nos do funcionamento dos partidos que tardam em encontrar fórmulas correcta
s de responder aos anseios das populações e de envolver os cidadãos nos mecanismos de decisão.
A tudo isto poderemos acrescentar acontecimentos que no último ano abalaram a sociedade portuguesa e nos despertaram para realidades que desconhecíamos, atingindo a nossa alma, diminuindo-nos a auto-estima.
No plano internacional, alargou-se a comunidade europeia, crescem as nossas dificuldades e responsabilidades. A palavra guerra entrou no nosso quotidiano e o terrorismo, que era uma realidade distante, está agora bem próximo e presente nos nossos pensamentos.
Somos, trinta anos depois, um país diferente. Melhor. Mas, claramente, com novos desafios e, por isso mesmo, um país em construção. Livremente.


Editorial: Um país em construção
Jornal de Noticias 25 de Abril de 2004